Peça ajuda!

Desde que assisti ao (razoável) Eu Sou a Lenda, uma pergunta instalou-se em minha cabeça: E se eu fosse o último ser humano vivo depois de um apocalipse zumbi? Alguns bons anos depois da estreia do filme, posso dizer com toda a sobriedade que, se eu o fosse, seria por muita sorte, e possivelmente não viveria muito tempo mais.

Quantas pessoas é preciso para construir um lápis?

As vezes esquecemos que no mundo globalizado em que vivemos, é muito raro sermos os únicos agentes por trás de uma ideia ou produto. O lápis, que você usa diariamente e nem nota a tamanha importância que tem, passou pela mão de centenas de pessoas antes de chegar à sua mesa. Não é incomum olharmos algo simples, e automaticamente assumirmos como fácil.

Algumas semanas atrás eu estava enfrentando uma daquelas tarefas "toca do coelho da Alice". Na primeira estimativa do time parecia algo trivial, de baixa complexidade. Com o tempo, e descobrindo mais sobre os requisitos (de produto e técnicos), a complexidade foi crescendo exponencialmente. Logo, aquele ticket que teoricamente seria resolvido em uma iteração, estava em seu terceiro sprint, e sem grandes perspectivas de acabar.

Cena de Star Wars onde Leia pede ajuda a Obi-Wan
Help me, Obi-Wan (starwars.com)

Cada daily meeting era uma tortura. Era como reconhecer que eu estava falhando como desenvolvedor, e que não tinha a capacidade de entregar uma história teoricamente simples. O medo de mostrar vulnerabilidade trouxe a necessidade de ser menos transparente em relação aos reais motivos por trás do atraso. No fim, só conseguia enxergar que eu era o culpado por todo aquele atraso, e que era o fim da linha para mim como desenvolvedor na empresa que eu havia acabado de ingressar.

Era como correr de um zumbi, sem realmente ter um plano para escapar dele.

A Síndrome do Impostor ou Efeito Dunning-Kruger?

Nem preciso dizer que toda essa dinâmica resultou em picos altíssimos de ansiedade, e quando menos percebi estava preso no círculo vicioso da Síndrome do Impostor. Segundo o Wikipedia:

As pessoas que sofrem este tipo de síndrome, de forma permanente, temporária ou frequente, parecem incapazes de internalizar os seus feitos na vida. Não importando o nível de sucesso alcançado em sua área de estudo ou trabalho, ou quaisquer que sejam as provas externas de suas competências, essas pessoas permanecem convencidas de que não merecem o sucesso alcançado e que de fato são nada menos do que fraudes.

O medo de descobrirem a "fraude" me colocou na defensiva. Uma cortina de fumaça. Se eu conseguisse resolver aquele problema, sem ajuda nenhuma, eu ganharia tempo, e todo esse episódio seria esquecido.

Hoje fica fácil olhar para trás e reconhecer que na época, eu tinha pouca experiência com a plataforma Java, e que eu deveria adicionar isso como argumento no momento da estimativa. Eu "achava que sabia o que eu não sabia", uma espécie de Efeito Dunning-Kruger:

(...) é o fenômeno pelo qual indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto acreditam saber mais que outros mais bem preparados, fazendo com que tomem decisões erradas e cheguem a resultados indevidos; é a sua incompetência que os restringe da habilidade de reconhecer os próprios erros. Estas pessoas sofrem de superioridade ilusória.

"Isso é fácil! Resolvo em um sprint, sem dúvida. Sou um excelente desenvolvedor".

Imagem do filme Zumbilandia - Seja um herói
Não! Não seja um herói! (anythingzombie.com)

É essa mesma superioridade ilusória que faz você acreditar que sim, sobreviveria a um outbreak zumbi.

Somos um exército de um homem só

Só aprendi a controlar o ego através da "dor". Somente após viver cercado de profissionais muito mais capazes do que eu o era, e que diariamente me provocavam um reality check. Em algum momento desse período eu compreendi que era mais fácil adotar uma postura humilde, me aproximar de tais profissionais, e aprender o que fosse possível com eles.

Will Smith em Eu sou a lenda
Nem Will Smith aguenta sozinho (looper.com)

Mas a competividade no setor de Tecnologia da Informação é alta, e isso pode resultar em ambientes tóxicos. Empresas que não te permitem errar, que possuem um sistema de evolução de carreira baseado somente em avaliações 360 e produtividade, ou colegas de trabalho que pecam em soft skills com um "como é que você não sabe isso?". Pedir ajuda em um ambiente como esse não é nada atrativo, e o empenho de resolver um problema sozinho pode parecer mais recompensador.

Mas a dura realidade é que, mesmo que você sobreviva ao outbreak zumbi, você não seria capaz de fabricar um lápis sozinho.

Help!

Como eu resolvi o meu problema? Pedindo ajuda, claro.

Tenho o privilégio de trabalhar na Dinamarca atualmente, um país com níveis de work-life balance impressionantes. Grande parte dos meus colegas de trabalho têm por filosofia de vida o "existe vida lá fora" com pitadas de "não se leve tão a sério" e "você não é o seu crachá". O que resulta em um ambiente de trabalho relativamente leve, te dando segurança para mostrar suas vulnerabilidades, e de aprender com os próprios erros.

Ser vulnerável não é algo ruim. Sair da zona de conforto e "lutar a boa luta" exige energia, exige movimento, proatividade. Quebre esse círculo vicioso da insegurança e peça ajuda!

Antes de ir

A grande lição que fica disso é que, ao se levar muito a sério, você deixa de fazer algo que deveria ser muito comum no meio Agile: Errar.

Se você estiver nadando em um mar de angústia e ansiedade, espero que esse depoimento te motive a quebrar o círculo vicioso, e a pedir ajuda. Não há "desonra" nisso, e bobear você aprende algo novo por tabela.

Permita-se "ligar o fod*-se" de vez em quando.

Até a próxima.

Referências